Escritora nigeriana compartilha sua visão sobre construção de gênero e sexualidade.
Aclamada pela critica internacional, ganhadora de prêmios importantes da literatura mundial, figura na lista dos 20 autores de ficção mais influentes com menos de 40 anos. Traduzida para mais de 30 línguas, sua obra tem o feminismo como fio condutor. Ainda que a condição feminina ao redor do mundo esteja muito aquém do ideal, ela acredita em mudanças. “A cultura não faz os povos, os povos fazem a cultura. Se uma humanidade inteira de mulheres não faz parte da nossa cultura, temos que mudar essa cultura”, convoca.
Quando foi apontada pela primeira vez como feminista, aos 14 anos, pelo amigo de infância Okoloma, mesmo sem saber seu significado percebeu pelo tom de voz que não era um elogio. “Foi como se ele dissesse: ‘Você é terrorista’. Ao chegar em casa e procurar pela palavra no dicionário, foi este significado que encontrei: “Feminista: uma pessoa que acredita na igualdade social, política e econômica entre os sexos. Okoloma tinha razão. Sou feminista, assim como minha bisavó, pelas histórias que ouvi, era feminista. Ela fugiu da casa do sujeito com quem não queria casar e casou com o homem que escolheu. Ela não conhecia a palavra “feminista”. Mas nem por isso não era. Mais mulheres deveriam reivindicar essa palavra. A meu ver, feminista é o homem ou a mulher que diz: Sim, existe um problema de gênero ainda hoje e temos de resolver, podemos fazer melhor. Todos nós, mulheres e homens, podemos fazer melhor”, afirma.
Em “Devemos todos ser feministas”, palestra que virou hit na internet após ter parte musicada pela cantora Beyoncé, em seu último disco, Chimamanda fala sobre o que significa ser feminista no século 21 e por que o feminismo é essencial para libertar homens e mulheres. Com um discurso bem-humorado, sagaz, revelador e inovador, partindo de sua experiência pessoal, ela acredita na construção de uma nova sociedade e propõe a reconstrução de gênero. “A questão de gênero é importante em qualquer canto do mundo. É importante que comecemos a planejar e sonhar um mundo diferente. Um mundo mais justo. Um mundo de homens mais felizes e mulheres mais felizes, mais autênticos consigo mesmos. E é assim que devemos começar: precisamos criar nossas filhas e filhos de uma maneira diferente”, propõe.
Para a escritora, a maneira como meninos e meninas ainda são criados é nociva e perniciosa. Os meninos aprendem a não chorar, não serem muito carinhosos, serem sérios, serem competitivos e as meninas aprendem como se sentar, como se vestir, como falar com um homem, e como o casamento é maravilhoso. “Abafamos a humanidade que existe nos meninos. Ensinamos que eles não podem ter medo, não podem ser fracos ou se mostrar vulneráveis. Precisam esconder quem realmente são, para serem homens durões. E às meninas, ensinamos que nos relacionamentos é a mulher quem deve abrir mão das coisas. Criamos nossas filhas para enxergar as outras como rivais da atenção masculina. Ensinamos as meninas a sentir vergonha. a se encolher, a se diminuir, ao lhes dizer: Fecha as pernas, olha o decote. Você pode ter ambição, mas não muita. Deve almejar o sucesso, mas não muito. Se você é a provedora da família, finja que não é, sobretudo em público, senão você emasculará o homem. Seríamos bem mais felizes, mais livres para ser quem realmente somos, se não tivéssemos o peso das expectativas do gênero”, constata.
As mulheres, segundo Chimamanda, precisam aprender a dizer não a tudo isso e todos, mulheres e homens, devem ter raiva frente às desigualdades de gênero. “Nós evoluímos. Mas nossas ideias de gênero ainda deixam a desejar. A construção de gênero do modo como funciona atualmente é injusta. Estou com raiva. Devemos ter raiva. Sentimento que ao longo dos tempos permitiu grandes transformações. Mas além da raiva, também estou esperançosa, porque acredito profundamente na evolução da humanidade”, conclui.