Ex-ministra da Justiça e atual conselheira da presidência, ressalta a diferença cultural no sistema familiar em seu país, que o divide parcialmente entre os regimes patrilinear e matrilinear.
Maria Benvinda Delfina Levi, nascida em Maxixe, em Inhambane, licenciada pela Faculdade de Direito da Universidade de Mondlane, ex-ministra da Justiça, atualmente é conselheira do Presidente da República de Moçambique, Filipe Jacinto Nyusi. Ela considera que o país – com uma população de cerca de 25 milhões de habitantes e aproximadamente 800 mil quilômetros de extensão – vem evoluindo cada vez mais.
Segundo Levi, Moçambique tem um diferencial em relação a outras nações, referente à legislação sobre direitos humanos e os direitos das mulheres. “O maior desafio nosso é andar o caminho para frente e fazer a teoria funcionar na prática”, comenta.
Moçambique é dividido em diferentes comunidades africanas. “São frentes de imigrações que implantam os seus costumes e tradições que levam a uma gama de diversidades culturais, que embora não implantadas oficialmente, são respeitadas pelos que habitam suas terras. Hábitos sagrados, tidos como verdades, a separar o certo do errado para todos aqueles que crescerem em suas respectivas aldeias, a exemplo dos regimes patrilinear e matrilinear”, explica a ministra.
Patrilinear
Sistema exercido predominantemente no Sul, em que a educação e sustento dos filhos são de responsabilidade do pai. As crianças devem obedecê-lo como um soberano, pois desde cedo, aprendem que dele provêm as regras da casa. É a sua descendência que fala mais alto e está representada nos filhos. As mulheres são submissas e têm muito medo do poder que eles exercem sobre elas, impossibilitadas de contradizê-los.
Matrilinear
Sistema familiar presente no Norte e que, por norma, deveria acontecer de forma inversa ao patrilinear, porém não ocorre em sua totalidade. Nele, é a mãe quem passa a herança do nome aos filhos e a descendência vem da linhagem materna. No entanto, o poder é limitado, exercido por um irmão dela, embora a mãe seja a mais respeitada, com mais iniciativa e independência.
Poligamia
Um dos costumes que ainda permanece em diferentes comunidades são as famílias polígamas, principalmente no Sul, onde o sistema patrilinear é dominante. Nesse caso, quando o marido de uma esposa vem a falecer, o irmão assume o papel de marido da cunhada, cabendo à mulher mais velha do clã familiar um status superior, hierárquico sobre as mais novas, que devem respeitá-la. Há uma tendência da mais velha buscar as irmãs mais jovens para contraírem casamento com o mesmo marido, a fim de que a prole aumente e estas venham ajudá-la com os trabalhos mais pesados da casa.
Segundo a ministra, “a riqueza do homem africano está relacionada ao fato de ter muitos filhos, ao contrário do homem europeu que pensa em ter dois filhos apenas, podendo pagar as despesas todas. Já o homem africano pensa diferente: quanto mais filhos tiver, mais mãos tem para os campos de produção, mais gado e mais dinheiro vai ter, porque a riqueza vem da descendência. É uma concepção filosófica completamente diferente”, esclarece.
Mudança de mentalidade
Se essa concepção de família numerosa ainda existe na área rural, na urbana ocorre de forma diferente: os casais se organizam no planejamento de uma família previamente programada. O combate ao colonialismo português teve como consequência positiva a união desse mosaico de etnias em torno de uma causa nacionalista comum; advindo, então, a independência, de característica socialista, propiciando uma série de legislações modernas, com base na nova constituição. A ministra da Justiça busca aplicar essa legislação no aglomerado de tribos separatistas, colocando a mulher como pilar na construção de um novo país.
Para Maria Benvinda Levi, “entre águas que parecem correr numa só corrente encontra-se a esperança de unificar todos aqueles que lutam pela igualdade de direitos, o que nem sempre é fácil. As mulheres fortes, emancipadas, não podem reproduzir antigos costumes que nos atingem”. Assegurar um juízo igualitário é a tarefa da ministra, em que se inclui os direitos das mulheres no processo de tomada de decisão. “Antes, por concepção, a mulher quando era agredida ou morta, boa parte da população argumentava e compreendia essa atitude por parte do cônjuge, o que, obviamente, precisa mudar. A educação é fator primordial na vida das mulheres para, empoderadas, sabiamente lutarem por seus direitos, conhecendo as leis que as protegem, conscientes de suas cidadanias”, argumenta.
Levi chama a atenção da mudança lenta, porém progressiva. “Há uma participação efetiva no Executivo, com mulheres escritoras, empresárias, a provar que quando a mulher está em pé de igualdade em suas funções, ela excede ao sexo masculino”, conclui.