Hoje, 19 de abril, data comemorativa ao Dia do Índio, o portal Lusas divulga o Manifesto das primeiras brasileiras, criado pela Articulação Nacional das Mulheres Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA)
Para a co-fundadora da ANMIGA, Sônia Guajajara, o dia 19 não é Dia do Índio, mas dia da Resistência Indígena. ‘Lutamos muito para chegarmos vivos até aqui.”. os prejuízos da ausência de dados e diagnósticos especificamente sobre mulheres indígenas e quilombolas. As leis que existem são ou não são adequadas para a realidade das mulheres indígenas? É muito importante que a gente possa avaliar os instrumentos do Estado e possa discutir outras ferramentas que venham a atender a nossa realidade”, avaliou Sônia Guajajara.
Manifesto das primeiras brasileiras
Nós, Mulheres Indígenas, estamos em muitas lutas em âmbito nacional e internacional. Somos sementes plantadas através de nossos cantos por justiça social, por demarcação de território, pela floresta em pé, pela saúde, pela educação, para conter as mudanças climáticas e pela “Cura da Terra”. Nossas vozes já romperam silêncios imputados a nós desde a invasão do nosso território.
A população indígena do Brasil é formada por 305 Povos, falantes de 274 línguas. Somos aproximadamente 900 mil pessoas, sendo 448 mil mulheres. Nós, Mulheres Indígenas, lutamos pela demarcação das terras indígenas, contra a liberação da mineração e do arrendamento dos nossos territórios, contra a tentativa de flexibilizar o licenciamento ambiental, contra o financiamento do armamento no campo. Enfrentamos o desmonte das políticas indigenista e ambiental.
Nossas lideranças estão em permanente processo de luta em defesa de direitos para a garantia da nossa existência, que são nossos corpos, espíritos e territórios.
Reunidas no XV Acampamento Terra Livre, em abril de 2019, construímos um espaço orgânico de atuação. Levamos pautas importantes para o centro do debate da mobilização que resultou na primeira Marcha das Mulheres Indígenas com a união de 2500 mulheres de 130 povos, em Brasília, no dia Internacional dos Povos Indígenas, em 9 de agosto daquele ano.
A Marcha, com o lema “Território: nosso corpo, nosso espírito”, foi pensada desde 2015 como um processo de formação e de fortalecimento com sustentada ação de articulação com diversos movimentos.
Agosto de 2020. Após um ano da 1ª Marcha das Mulheres Indígenas, nós, Mulheres Indígenas de todo o Brasil, realizamos uma mobilização histórica! Diante do agravamento das violências aos povos indígenas durante a pandemia da Covid-19, nós decidimos demarcar as telas e realizar a maior mobilização de mulheres indígenas nas redes virtuais. Assim, nos dias 7 e 8 de agosto, acontecia a nossa grande assembleia online com o tema “O sagrado da existência e a cura da terra”.
Nós, Mulheres Indígenas, também somos a Terra, pois a Terra se faz em nós. Pela força do canto, nos conectamos por todos os cantos, onde se fazem presente os encantos, que são nossas ancestrais. A Terra é irmã, é filha, é tia, é mãe, é avó, é útero, é alimento, é a cura do mundo.
Como calar diante de um ataque? Diante de um Genocídio que faz a Terra gritar mesmo quando estamos em silêncio? Porque a Terra tem muitos filhos e uma mãe chora quando vê, quando sente que a vida que gerou, hoje é ameaçada. Mas ainda existe a chance de mudar isso, porque nós somos a cura da Terra!
Diante da Pandemia, criamos espaços de conexão para fortalecer a potência da articulação de Mulheres Indígenas, retomando valores e memórias matriarcais para avançar em pleitos sociais relacionados aos nossos territórios, enfrentando as tentativas de extermínio dos Povos Indígenas, as tentativas de invasão e de exploração genocida dos territórios – ações que têm se aprofundado no contexto da pandemia. Dessa forma, conseguimos também fortalecer o movimento indígena, agregando conhecimentos de gênero e geracionais.
As Mulheres Indígenas assumiram um papel fundamental na articulação das redes de apoiadores nesse momento. Além de atuarem permanentemente nas barreiras sanitárias, as mulheres estiveram frente às construções estratégicas dos planos Territorial, Regional e Nacional no enfrentamento à Covid-19. Há muitas Mulheres Indígenas com atuações significativas na contribuição pela defesa dos direitos dos Povos Indígenas – muitas vezes enfrentando diversas formas de violências.
Em virtude das constantes violações de direitos, aprofundadas no contexto da pandemia, é urgente fortalecer a contribuição dessas defensoras, qualificando e ampliando suas ações nos espaços de participação política e decisória e apoiando a participação qualificada das Mulheres Indígenas como protagonistas e multiplicadoras.
Estamos atuando não somente no enfrentamento à Covid-19, mas na linha de defesa do “Covid sistemático do Governo Federal” e de seus ataques permanentes aos direitos indígenas.
Como desdobramento, notou-se a necessidade de avançar ainda mais, fortalecer nossas capacidades organizacionais, com vias de oficializar essa articulação da ANMIGA, incluindo o planejamento estratégico e o funcionamento de nossas redes.
Somos muitas, somos múltiplas, somos mil-lheres, cacicas, parteiras, benzedeiras, pajés, agricultoras, professoras, advogadas, enfermeiras e médicas nas múltiplas ciências do Território e da universidade. Somos antropólogas, deputadas e psicólogas. Somos muitas transitando do chão da aldeia para o chão do mundo.
Mulheres terra, mulheres água, mulheres biomas, mulheres espiritualidade, mulheres árvores, mulheres raízes, mulheres sementes e não somente mulheres, guerreiras da ancestralidade.
- Sônia Guajajara, da tribo Guajajara/Tentehar, no Maranhão, líder indígena, foi a primeira mulher indígena na história do Brasil a se candidatar ao posto de vice–presidente da República do Brasil em 2018. Formada em Letras e Enfermagem pós graduou-se em Educação, chegou à coordenação executiva da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e é co-fundadora da ANMIGA. Sônia entrou na vida política filiando-se ao PT no final dos anos 1990 e saiu do partido quando se desencantou com a relação do grupo com a governadora maranhense Roseana Sarney. Há sete anos no PSOL, a maranhense, que nunca exerceu um cargo eletivo, aceitou a candidatura à vice-presidência. Seu nome pode ser novidade no cenário político, mas não no movimento indígena. Em 2015, em Nova Iorque, representou a Apib no Fórum Permanente para Questões Indígenas da Organização das Nações Unidas (ONU). Um ano depois, carregou a Tocha Olímpica em Imperatriz (MA), cidade onde mais jovem fixou residência, ficou casada por 18 anos e teve três filhos, Luiz, Yaponã e Ywara. No Rock in Rio de 2017, subiu no palco do show de Alicia Keys e discursou em nome dos seus.
Fonte: https://anmiga.org/manifesto/