Autonomia corporal

Um direito que só existe para 53% das mulheres no mundo, revela estudo das Nações Unidas

“Meu corpo, minhas decisões” uma afirmativa que ainda não é a realidade de milhares de mulheres no planeta, revela o relatório anual do Fundo de População das Nações Unidas, Unfpa, divulgado nesta quarta-feira (14/04). O documento: Estado da População Mundial de 2021, com o título “O meu corpo me pertence”, mostra que muitas mulheres não têm poder sobre o uso de métodos anticoncepcionais, atendimento médico e até mesmo sobre suas relações sexuais. O levantamento do Unfpa também cita violações como estupro, esterilização forçada, teste de virgindade e mutilação genital feminina.

Este é o primeiro relatório da ONU dedicado ao poder e capacidade das mulheres de tomarem suas próprias decisões sobre sexo e reprodução. Para a diretora do escritório do Unfpa em Genebra, Mónica Ferro, o assunto é especialmente importante quando apenas pouco mais de metade de todas as mulheres (53%) no mundo podem decidir livremente o que fazer com o próprio corpo. “É o primeiro relatório das Nações Unidas que se foca na autonomia corporal, na capacidade de fazer escolhas sobre os nossos corpos e futuros sem violência ou sem coerção”.

Segundo a diretora da UNFPA, o tema é particularmente relevante porque indica os progressos para alcançar a igualdade de gênero, sendo uma forma de medir o empoderamento das mulheres e meninas.  “É um dos indicadores que nos mostra o progresso do mundo no sentido de se alcançar a igualdade de gênero”.

De acordo com os dados da pesquisa, realizada em 57 países em desenvolvimento, apenas 55% das mulheres estão totalmente habilitadas para fazer escolhas sobre cuidados de saúde, contracepção e possuem a capacidade de dizer sim ou não ao sexo. Só 71% dos países garantem o acesso aos cuidados gerais de maternidade e somente 75% das nações asseguram legalmente acesso igualitário e completo à contracepção. 

O estudo revela ainda que em três países da África Subsaariana – Mali, Níger e Senegal – menos de 10% das mulheres podem tomar todos os tipos de decisões autônomas sobre seus corpos. Em alguns países, como Mali, o relatório mostra que uma clara maioria das mulheres decide sobre contraceptivos, mas apenas 22% podem fazê-lo quando procuram atendimento médico e uma em cada três pode recusar relações sexuais, o que faz com que sejam muito poucas aquelas que têm seus direitos respeitados nas três áreas.

O relatório também mostra diferenças na proporção de mulheres que pode tomar decisões sobre sua saúde sexual e reprodutiva nos países de língua portuguesa. Em Angola, 62% das mulheres tinham esses direitos, em Moçambique cerca de 49%, em São Tome e Príncipe 46% e em Timor-Leste cerca de 40%.  

Já o país com maior autonomia é o Equador, em que 87% das mulheres têm essa autonomia, sendo que os países com os níveis mais baixos são o Níger e o Senegal, com 7% de autonomia. No mundo todo, os valores mais altos para a saúde sexual e reprodutiva vão para a Suécia com 100%, o Uruguai com 99% e o Camboja com 98%, seguidos de Finlândia e Holanda, também com 98%.

O estudo também documenta muitas outras formas de violação da autonomia corporal de mulheres, homens, meninas e meninos.  

Vinte países ou territórios têm leis em que um homem pode escapar de um processo criminal se se casar com a mulher ou menina que estuprou. Além disso, 43 países não possuem legislação abordando a questão do estupro conjugal e mais de 30 nações restringem o direito das mulheres de se movimentar fora de casa. 

Meninas e meninos com deficiência têm quase três vezes mais probabilidade de serem submetidos à violência sexual, com as meninas correndo o maior risco. 

Segundo o Unfpa, as soluções devem levar em consideração as necessidades e experiências das pessoas afetadas. 

Na Mongólia, por exemplo, pessoas com deficiência se organizaram para dar contribuições diretas ao governo sobre suas necessidades de saúde sexual e reprodutiva.  

A agência da ONU também destaca o exemplo de Angola, onde os jovens informados sobre o seu corpo, saúde e direitos podem procurar cuidados de saúde, utilizar o planeamento familiar, recusar o sexo e pedir justiça após a violência sexual.”

Para a diretora-executiva do Unfpa, Natalia Kanem, a negação da autonomia corporal é uma violação dos direitos humanos fundamentais das mulheres e meninas que reforça as desigualdades e perpetua a violência decorrente da discriminação de gênero. “Isso é nada menos do que uma aniquilação do espírito, e deve parar. Uma mulher que tem controle sobre seu corpo tem mais probabilidade de ser fortalecida em outras esferas de sua vida, ganhando autonomia, mas também em avanços em saúde e educação, renda e segurança para ela e sua família”, conclui Kanem.

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