Mãe da democracia portuguesa

A ex-primeira-dama de Portugal que trilhou o próprio caminho e buscou propagar suas ideias: uma história pessoal que se mistura com a história de sua pátria

Maria Barroso é um dos principais nomes de Portugal. Primeira-dama do país, de 1986 a 1996, casada com o então presidente Mário Soares, sua história mistura-se à história de sua pátria devido à presença marcante e atuação constante. Foi muito mais do que a “esposa do presidente”: fez o próprio caminho e propagou sua maneira de pensar. Não é à toa que não utiliza o sobrenome de casada. Além da beleza física que despertava atenção, mobilizou e serviu de exemplo para outras mulheres através do jeito singular de intervir na realidade – declamando poemas de poetas de esquerda.

Ela que há seis anos saiu de cena, tendo falecido em junho de 2015, com sua natureza doce e firme, marcou o século XX português. Em entrevistas, costumava retornar em detalhes o memorável 25 de Abril. Estava na Alemanha, às vésperas de uma entrevista com o chanceler Willy Brandt, quando foi avisada do que estava ocorrendo em seu país e decidiu retornar. “Nós vivíamos em Paris, onde meu marido estava exilado. Foi um dos momentos mais fortes da minha vida, foi épico”, declarou ao recordar está data memorável para os portugueses. Maria Barroso contou que aquilo foi vivido com muita emoção, após tantos anos de luta contra o regime e pela instalação da democracia. Desde cedo, esteve envolvida na política, presenciou a prisão do pai devido à militância dele de esquerda, casou-se com o ex-presidente em uma cela de prisão, na qual este cumpria pena por ser contra a ditadura de Salazar. Como atriz, foi despedida do teatro D. Maria em que atuava.

Durante a revolução não houve sangue, tiros ou violência. Foram colocados cravos vermelhos nos canos das espingardas e, por isso, ficou conhecida como Revolução dos Cravos. “Foi lindo e muito emocionante saber de uma multidão com cravos vermelhos nas mãos, gritando liberdade”, relembra Maria Barroso. Impedida de representar, seu grande sonho, seguiu os estudos na Faculdade de Letras e sempre buscou ser uma cidadã consciente, atenta ao que se passava e procurando intervir diante das possibilidades que tinha, inclusive como deputada na Assembleia da República, pelo partido socialista. Embora casada com o Pai da Democracia em Portugal, nunca deixou de lado a autonomia. “Temos os nossos pontos de vista que muitas vezes divergem, não são os mesmos, mas comungamos no essencial”, resumia.

Nos últimos anos de vida, Maria presidia a Fundação Dignitatae, que atua na defesa dos direitos humanos, com foco nos direitos das mulheres. De acordo com ela, as mulheres devem ser vistas de acordo com o papel que cumprem, ao lado dos homens, não atrás deles. Mesmo que o homem seja comumente mais evidenciado na História, o papel da mulher é indubitável. “No 25 de Abril, a importância delas é clara, pois os soldados fizeram a revolução, mas suas mulheres os estimulavam, os acompanhavam e também lutavam contra o regime”, conta. Muitas mulheres foram presas durante a militância. Em uma realidade em que mulheres precisavam da autorização dos maridos para quase tudo, os ventos libertários adquiridos após essa data histórica foram de valor inestimável. “As mulheres eram tratadas como coisas e não pessoas”, enfatiza. Orgulhosa pela maneira como atuou naquela época, sem deixar de lado sua ideologia, seguiu avante, viajando pelo mundo, denunciando as injustiças sociais. “Mesmo aqui em Portugal, há muita gente sofrendo com a crise atual, mas continuaremos dando o nosso melhor para que superemos essas dificuldades e que a sociedade cresça muito mais e mais justa”. Este era seu lema de vida.

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